quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O campo depende cada vez mais da cidade ou os perigos do senso comum.

Oi pessoal. Surgiu um debate interessante hoje que vale a pena retormar e pensar mais sobre ele. A pergunta foi: a cidade depende do campo ou o campo é que depende da cidade. Temos duas observações a fazer sobre isso. A primeira, trata da diferença entre as nossas impressões e opiniões pessoais e aquilo que é ciência, demonstrável e que é o objeto do aprendizado escolar. A segunda, a resposta para a questão.

Primeiro, chamamos de senso comum as opiniões gerais que temos sobre determinados assuntos. É o popular "achismo": "eu acho que é assim". O senso comum traz nossos conhecimentos prévios sobre uma infinidade de coisas, ele nos fornece os saberes necessários ao nosso relacionamento cotidiano na sociedade. Mas ele também traz problemas: de início, pode ser bastante preconceituoso. Por exemplo, podemos chamar de senso comum afirmativas que tratam o tal povo como preguiçoso (dizer que o baiano, o brasileiro ou o índio são preguiçosos, por exemplo). Nada há de concreto que comprovem tais opiniões, mas o povão continua a proferi-las.

Outra dificuldade com o senso comum é tratar as situações que ele busca explicar de forma pouco aprofundada, contentando-se com as aparências do problema. O senso comum não examina profundamente nenhuma questão, dá os seus posicionamentos sempre de forma genérica e baseada em estereótipos. O papel do conhecimento científico, acadêmico, da escola, do pensamento racional, enfim, é desmistificar o senso comum. Vejamos um exemplo clássico: durante séculos, acreditou-se que o Sol girava em torno da Terra por uma evidência claríssima, lógica e de muito difícil refutação: nós vemos diariamente, por toda a nossa vida, o Sol descrevendo o seu percurso sobre a Terra!

Aliás, o senso comum também fez Josué se enganar ao interpretar os acontecimentos das batalhas em torno das muralhas de Jericó. Segundo o episódio narrado pela Bíblia, Josué orou e Deus, para que ele vencesse os inimigos dentro de Jericó, fez o Sol parar! Ora, se é a Terra que gira em torno do Sol, ele não pode parar, percebe? Se você é um religioso, calma! Eu não estou dizendo que a Bíblia está errada nem que o episódio não aconteceu. Estou dizendo apenas que, se ele ocorreu, Josué entendeu e escreveu errado. O senso comum lhe dizia que Deus havia parado o Sol, quando, na verdade, a Terra é que teria parado de girar (repito, de acordo com os religiosos). Isso é tão sério que o texto do livro de Josué foi usado por toda a Idade Média para provar que a Terra era o centro do Universo. Estão percebendo a diferença entre o senso comum e o pensamento científico e como essas discrepâncias são fáceis e constantes? Poderíamos resumir assim: nem tudo é o que parece!

Finalmente, nossa resposta. À medida em que o século XX avançou, o campo depende de forma cada vez mais da cidade. Pode contrariar o nosso senso comum, mas é assim. Vejamos. Os agricultores dependem dos financiamentos públicos (dos governos) e privados para realizarem as suas safras. Todos os anos, antes de iniciar a safra, agricultores pressionam o governo por mais verbas para o plantio e colheita. Pequenos agricultores dependem da distribuição de sementes por parte do Estado. Alguns exigem mesmo que o Estado garanta um preço mínimo para o que ele vai vender. As sementes dependem cada vez mais das pesquisas realizadas nos centros universitários e pelas grandes empresas químicas. É aqui que a discussão dos transgênicos ganha importância crucial. Ora, já há hoje sementes fabricadas em laboratório que não germinam uma segunda geração. Ou seja, depois da colheita o agricultor teria que procurar novamenta a empresa para comprar dela as novas sementes para a nova safra! Tais práticas ainda não foram implementadas por causa da resistência e questionamentos da própria sociedade diante de tal absurdo. O planejamento da safra, o que vai ser plantado é definido também nos grandes centros, tanto por governos, quanto por grandes multinacionais, que dizem mesmo o que e onde tal ou qual produto deverá ser cultivado. O campo, na sociedade contemporânea, depende da cidade.

Um abraço, boas reflexões, e pensem no perigo de usar o senso comum para dar explicações acadêmicas para

2 comentários:

Unknown disse...

Não me entenda mal, penso que entendo a postura do sinhô nessa questão...
Reconheço a relativa desvalorização rural em relação aos industrializados e afins, mas dizer que o campo depende mais da cidade seria como dizer que o nosso corpo depende mais do cérebro do que o oposto, quando na realidade eh mutuo.

Não podemos esquecer que o real valor não eh necessariamente aquele que enche os olhos por estar mais valorizado na bolsa...
Ironia:Amazon.com mais valorizada que a empresa inglesa citada na sala...
:P
Pelo sim, pelo não...Eu fico com a fazenda e a água.
Pode ficar com os cabos e os tijolos.

Mariana Gominho disse...

Esse lance de terem usado o texto da Bíblia pra comprovar que a Terra era o centro, não o sol, foi genial. Daí vemos como o conhecimento pode ser manipulado de acordo com os interesses dominantes.
Espero que o Sr. mantenha esse blog por muito tempo! Tá muito melhor que o anterior, com as discussões e as enquetes.
Beijão, professor!
PS: dá uma passada no meu blog e lê o texto que postei, certeza q vc vai gostar!