sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Os Miseráveis, de Vítor Hugo.

(...) "Quanto ao bispo, ver a guilhotina foi um choque do qual levou muito tempo para se restabelecer.

Com efeito, o patíbulo, quando está levantado, é algo que alucina. Pode-se considerar com certa indiferença a pena de morte, não aprová-la nem condená-la, enquanto não se tiver visto, com os próprios olhos, uma guilhotina; mas, vendo-se uma, o choque é violento e é preciso decidir-se ou a favor ou contra. Uns a admiram, como de Maistre; outros a detestam, como Beccaria. A guilhotina é a síntese de toda a lei; seu nome é vingança; não é absolutamente neutra, e não permite que continue neutro. Quem a vê se amedronta com o mais misterioso dos medos.
Todas as questões sociais levantam pontos de interrogação ao redor desse cutelo. O patíbulo é visão. O patíbulo não é simples armação de madeira, não é máquina: o patíbulo não é engenho inanimado feito de madeira, ferro e cordas. Parece um ser que possui não sei que iniciativa sombria; dir-se-ia que essa armação vê, que essa máquina entende, que esse mecanismo compreende, que essa madeira, esses ferros, essas cordas têm vontade própria. No pesadelo amedrontador em que lança a alma, o cadafalso se mostra terrível, confundindo-se com sua tarefa. O patíbulo é o cúmplice do carrasco; devora, alimenta-se de carne, sacia-se com sangue. É uma espécie de monstro fabricado pelo juiz e pelo carpinteiro, um espectro que parece viver uma vida feita de todas as mortes que ocasiona." (...)
Os Miseráveis, de Vítor Hugo. São Paulo, Editora Cosac & Naif, 2002. p.37.

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